17/04/2010

DISTINGUIR O SAGRADO



Primeiro evitando a ingenuidade. Hoje, fala-se muito no sagrado. O cristão, cansado de se defender dos ataques do secularismo, fica contente. Mas cuidado! A maior parte da bíblia é uma polemica contra o sagrado! Nós rimos dos cristãos simplistas que proíbem votar em candidatos ateus. Mas fazemos a mesma coisa num nível mais sofisticado, com a nossa incapacidade de distinguir o sagrado bíblico dos outros sagrados. Na bíblia, o grande divisor de águas não está entre os ateus e os religiosos, mas entre aqueles que servem ao verdadeiro Deus e aqueles que servem a falsos deuses. O sagrado não é intrinsecamente melhor do que o secularismo. Nos seus sagrados, o ser humano também foge do Deus transcendente e pessoal que quer interpelá-lo. A atividade religiosa pode dar a alguém a ilusão de ter se encontrado com Deus e de te-lo satisfeito, quando na realidade está se escondendo dele. As pessoas, simultaneamente, buscam a Deus, seu Criador, e fogem de Deus, seu Juiz.

Já dissemos que a bíblia dessacraliza o mundo. Isso porque mantem uma rigorosa distinção entre o Criador e a criação. A criação não é divina. Biblicamente, Deus é o sagrado, o único que possui sacralidade inerentemente. Mas podemos dizer também que Deus compartilha a sua sacralidade, atribuindo-a ao ser humano como imagem (Gn 1.26-28). Mas o fato de ser imagem de Deus não é um conceito essencialista e estatico. É dinâmico, e tem a ver com a tarefa do ser humano no mundo, com seu chamado, que envolve privilégios e responsabilidades. Daí a proibição de imagens em Israel, porque estas rebaixariam o ser humano, roubando-o de sua verdadeira vocação de imagem de Deus. As pessoas, portanto, participam da sacralidade de Deus à medida que cumprem a tarefa da imagem. É um status atribuído e não inerente.

A dessacralização do mundo, porem, não significa que a criação não tenha valor. Significa apenas que ela tem um valor derivado e não inerente. O mundo está cheio de sinais de Deus (objetos, animais, pessoas, relações, idéias, etc). Mas são apenas sinais, placas que apontam para o Criador onde está localizado o sagrado, mas não são, em si, o sagrado. São janelas através das quais deveríamos ser capazes de enxergar o sagrado. O problema é que, com a Queda, essas janelas se tornaram opacas. O ser humano, sentindo que ainda existe alguma coisa por trás dessa janela opaca, passa a criar seus próprios sagrados a partir de elementos da criação (coisas, pessoas, relações humanas, a sociedade, as idéias, etc), confundindo o sinal com o sinalizado. Em ultima análise, só temos duas opções: ou localizamos o sagrado no Criador ou em algo na criação.

Quando Deus entra em cena, ele destrói o sagrado do homem. É a revelação bíblica, não a ciência ou a modernidade, que destrói o sagrado humano. O papel do cristão é dessacralizar o mundo. Na cosmovisão bíblica, o mundo é secularizado, desencantado e liberto para a atividade criativa do ser humano, para o desempenho do mandato cultural. A força secularizante da bíblia é tremenda. As próprias instituições religiosas são secularizadas, pois a religião israelita baseia-se na Aliança, ou seja, numa escolha feita por Deus em determinado tempo histórico. O Deus de Israel não é umbilicalmente dependente do povo que o cultua, como no caso dos deuses dos povos vizinhos. Por isso, Ele pode permitir a perda da Terra e a destruição do Templo. Por causa da Aliança, a religião israelita é ética. Genesis entra em polemica com as mitologias pagãs, isto é, com os sagrados da época. O ser humano, como imagem de Deus, recebe um convite para ser o vice-rei, co-governantes do universo.

Toda a sua vida deve ser vivida diante de Deus. Nada de dualismo, de ver a revelação como relevante apenas para certas partes da vida. Na bíblia, a religião é a relação de aliança entre Deus e sua imagem, o ser humano. Inclui, portanto, culto e cultura. Culto e cultura são os dois rios que nascem na religião. Sobre todas as esferas da vida, a Palavra de Deus (mas não a instituição eclesiástica) é soberana. Isso vai frontalmente contra o papel reservado no mundo moderno.


Resumo que fiz de um livro, mas não lembro quem escreveu.

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